2007/01/10


Discurso directo
António Ferra

Nasceu no Porto em 1947, mas vive em Lisboa. Publicou várias obras nas áreas da pedagogia e da literatura para crianças. No campo da ficção, escreveu Crónicas dos Novos Feitos da Guiné, O Vermelho e o Negro, Olhar o Silêncio e Água e Fogo. Em 2002, publicou o seu primeiro livro de poesia, Com a Cidade no Corpo. Ilustrou as suas peças de teatro para a infância e participou em várias exposições, mantendo ao longo do tempo um trabalho de expressão plástica, como uma continuidade possível para o trabalho da escrita. Acaba de publicar, na Campo das Letras, o livro de poesia, A Palavra Passe.
A Palavra Passe é um livro de poesia que me parece bastante narrativo. Gosta de contar pequenas histórias através da poesia?
Há poemas com mais conteúdo narrativo do que outros (“Chá e lixo”, por exemplo). A narração, no poema, serve-me como metáfora para dizer outras coisas, ou como forma de criar um espaço de identificação para mim e para o leitor. De resto, as descrições acompanham esses esboços de narração. Mas isso é a poesia do olhar, da observação e da objectivação do eu no exterior, também espaço metafórico onde eu e os leitores se podem projectar.
Em termos de trabalho de linguagem, o que lhe proporciona a poesia?
A síntese, a depuração. Este livro – A Palavra Passe – demorou “uns anos” a ficar pronto. Além de ter eliminado muitos poemas, os que ficaram sofreram muitos cortes, até encontrar uma forma que, pensei eu, se adequava à expressão de certos sentimentos e ideias (v. prefácio). O que me parece é que o leitor pode não reparar nisso, o que não tem importância nenhuma. Há sequências que parecem frases espontâneas, ao correr da pena, mas isso é apenas aparência. Há muitas rimas disfarçadas, há uma cadência e um ritmo que tentei camuflar. Eu queria que o livro fosse “fácil” de ler.Tenho outra poesia, nomeadamente a satírica (inédita) em que outros ritmos são visíveis a olho nu, ritmos mais evidentes, mais convencionais.N’ ”A palavra Passe” há também um uso do vocabulário do cotidiano. Tenho mesmo um verso em que refiro isso directamente ( no poema ). O que talvez faça sentido, pois esta poesia parte das minhas vivências e das dos outros, mesmo que sejam imaginadas, como em qualquer fingimento poético

Olhar Suburbano, colagem, técnica mista


Também pinta. Que tipo de ligação estabelece entre estas duas formas de expressão? A expressão plástica – não exactamente a pintura – tem muito ver com a minha escrita. Baseia-se muito na observação, na recolha e utilização desses objectos. Não é por acaso que faço colagens (v. capa do livro “A Palavra Passe”) e utilizo outros elementos – que não a tinta – nos meus trabalhos. Em qualquer dos casos, na expressão plástica e na expressão escrita há, por vezes, uma primeira fase “gestual” , que depois é controlada e conceptualizada.Vale a pena ainda dizer que a preocupação ecológica de aproveitar e criticar o desperdício – a minha grande revolta – me parece clara na maior parte dos poemas deste livro (v. “fazia o favor de me” e “canalização”). Mas sobre isto é muito difícil falar sem ver o objecto artístico.Envio uma imagem de um trabalho meu, que pode dar uma ideia daquilo que acabo de dizer. Sob o ponto de vista de conteúdo, esta temática ( do desenho) está presente também na escrita, quer na poesia, quer na ficção.

1 comentário:

Anónimo disse...

Brilhante entrevista num blog igualmente brilhante. Vou comprar o livro.
Paulo Rodrigues

Estante (novidades editadas em Portugal)

  • Afonso de Albuquerque, Minorias Eróticas e Agressores Sexuais (Publicações D.Quixote)
  • Ana Benavente/Maria Manuel Viana, Damas, Ases e Valetes (Teorema)
  • Ana Paula Tavares, Manual para Amantes Desesperados (Ed.Caminho)
  • Edmundo Pedro, Memórias - Um Combate pela Liberdade, volume I (Âncora Editora)
  • Enrique Vila-Matas, Doutor Pasavento (Teorema)
  • Gonzalo Torrente Ballester, Memória de um Inconformista (Âmbar)
  • Helder Macedo, Trinta Leituras (Editorial Presença)
  • Ignacio Martínez de Pisón, Enterrar os Mortos (Teorema)
  • Iris Murdoch, O Homem Acidental (Relógio d'Água)
  • Jean Ziegler, O Império da Vergonha (Asa)
  • José Dias Coelho, A Resistência em Portugal (Avante)
  • José Vegar, Serviços Secretos Portugueses (A Esfera dos Livros)
  • João Miguel Fernandes Jorge, Termo de Óbidos (Relógio d'Água)
  • Luís Cardoso, Requiem (Publicações Dom Quixote)
  • Malek Chebel e Lassaad Métoui, Os 100 Nomes do Amor (Europress)
  • Manuel Tavares Teles, Os Manuscritos Gertrudes (Guerra e Paz)
  • Manuel Vásquez Montálban, Milénio I e II (edições Asa)
  • Monica Ali, Alentejo Blue, Edição Caderno
  • Mário Matos e Lemos, Jornais Diários Portugueses (Ed. Ariadne)
  • Paula Elysey Mesquita, O que Billy quer vestir - Dinâmicas Sociossexuais em Willa Cather e William Faulkner (Campo das Letras)
  • Ricardo Pais, Actos e Variedades (Campo das Letras)
  • Rogério Fernandes, Alberto Lopes, Luciano de Faria Filho (orgs), Para a compreensão histórica da infância (ed. Campo das Letras)
  • Santiago Roncagliolo, Abril Vermelho (Teorema)